terça-feira, 13 de novembro de 2012

Palavras avulsas


Ela caminhava sozinha em mais uma noite escura de um inverno que parecia nunca acabar. Seu guarda-chuva voava contra ao vento e a garota tentava  não perde-lo. O guarda-chuva também não. Já havia perdido tanto nessa vida. Muito mais do que qualquer um, muito menos que a maioria. Mas era tão normal, tão simplória, talvez medíocre, numa mediocridade muito normal.
Como muitos teve uma infância confusa, seus pais brigavam quase sempre. Moravam separados, mas, quando juntos, brigavam muito. Um casamento arrastado ao longo de quase 18 anos. Então morreu. Morreu seu amado pai e disse adeus para o corpo gélido cheio de flores cheirando a velório. Mas isso não a fazia diferente de muitos. O pai de alguém morre todos os dias. Ela era tão normal que não poderia ser única. Tinha sua irmã. Não conseguia lembrar onde estava sua irmã. A esqueceu em algum lugar, talvez na padaria, não sabia. Mas já não se importava, estava frio, queria chegar a sua casa, dormir se conseguisse. Sofria de insônia a menina.
Caminhava rapidamente com medo de ser vista, não queria ser analisada. Poderia perder mais alguém no encontro. Parece estranho, mas só se perde algo que já se tem. Se naquele caminho encontrasse algo ou alguém para amar poderia perder no meio do percurso. Acendeu um cigarro. Não gostava de fumar, a fumaça a incomodava, mas, ainda assim, acendia mais um. Sua companhia quase sempre. A morte que sorria para ela a cada trago de solidão.
Não tinha namorados, nem um amor. Não acreditava em príncipes, até porque sempre se fez acreditar que não existia uma paixão, um amor verdadeiro o suficiente para durar. Também não era bonita, nem feia. Não se achava bela, mas já tinha visto pessoas menos agradáveis de olhar, por isso, acreditava que não era de todo mal. Talvez fosse muito exigente, tivesse muitas demandas, muito trabalho ou não gostasse de ninguém além dela mesma.
E aí chega ao momento em que se lembra exatamente porque começou a caminhar. Não conseguia mais sentir nada e, ao mesmo tempo, queria gritar, gritar o mais alto que pudesse. Mais um erro, mais uma perda. Sabia que era para sempre, que aqueles anos não valeriam mais nada. Toda sua dedicação, seu empenho foram consumidos pela chama da mentira, aquela mentira que era de todo sua culpa.
Andava na chuva, perdida, cantarolando enquanto sua mente borbulhava. Andou, lentamente até a ponte que amava. Via o sol nascer todos os dias com ele ali, seu bálsamo de alegria num mar de espanto. Lembrou enquanto olhava aquele rio verde e cristalino dos olhos daquele que se foi. “Mais um, pensou”. Mais um e o último que se foi antes dela. Sem pensar, sem querer deixou seu corpo inclinar-se, inclinou-se tanto que caiu, caiu da maior ponte da cidade. Segundos lentos enquanto mergulhava no rio doce dos olhos verdes do fim.

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