sexta-feira, 10 de junho de 2011

A prisão

Em meio a clarão e trevas, a sombra não é resguardada. Não. Nunca é. Na realidade, ela se sobrepõe a luz tímida que mergulha em mim, uma artista abandonada, renegada e envolta numa neblina infinita. Ah! Luz inconstante, clamo que não parta, que fique um pouco mais e não deixe-me nesse mundo dantesco de solidão.
A obra sorri cínica, inacabada. Um grito silencioso tenta sair do meu corpo que treme, chora, olhando humilde para aquela que me vê e pode me ajudar.Sim, aquela que por opção não se finda. Segundos transformam-se em horas e a angústia teima em não partir. O temor e a madrugada, um papel em branco e nada de concepção.
Vozes sussurram em meus ouvidos e tento traduzir Shakespeare em minhas palavras. O caos se instala e minha alma berra impropérios aos ventos da Escócia. Olhos que buscam meu comando,olhos nervosos, famintos e sedentos por uma cena que nunca irá acontecer. Então, minha vida se torna um eterno esboço, um rascunho, uma sobrevivência dentro de um limbo sufocante. Nada. Nada. Nada.
Um punhal cravado no meu peito, uma estaca fria, seca que se inunda com meu sangue e desliza lentamente junto com lágrimas amargas.
Agora mesmo, sinto as paredes que se aproximam e zombam de mim. Não há momentos sem dor, confusão. Um mente parada insiste em não trabalhar enquanto todos só me cobram, transtornam e me fazem não mais querer respirar. Tortura, silêncio, não há paz e sempre é um processo turbulento.
Preciso preencher linhas, criar sempre novas coisas. Tudo isso enquanto a areia da ampulheta cai sorrateira e cruel, correndo para me afligir e me segue lembrando que o tempo escorre veloz. Até o encontro machuca. A obra pronta é resultado de uma vida atormentada e quando se finda somente dá espaço para a próxima.
O maior problema é que já me disseram que sou artista, como vou agora negar? Não sei exatamente o que sei fazer, mas  já é tarde para fugir, sonhar, dormir. A insônia. A olheira e o rancor de quem não consegue mais criar. A teoria secou meu coração de escritora, dramaturga, poeta. Normas,regras que me executaram e servira-me numa bandeja de prata num banquete de loucos em pleno século XXI.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Sonhando com um anjo

Um mergulho, um salto e susto. Acordo com a luz que invade meu quarto. Ando embalada pelo sono, tento lembrar no que estava pensando antes de abrir os olhos para a realidade fria da minha vida. Levanto devagar e abro uma gaveta perto da minha cama. Estava vazia. Silêncio. Começo a procurar o veneno que afaga e deleita. Não encontro. Meus cigarros sumiram, não os vejo.
Um certo desespero invade minha alma e respiro tentando me lembrar onde estava meu tesouro fúnebre, minha arma contra a monotonia de uma vida sóbria. Olhando melhor ao redor, percebo que tudo havia mudado de lugar, os móveis, os objetos, a minha casa. Tudo.
A angústia podia ser saciada por outra coisa então. Além do cigarro e do sono, que já havia me deixado, nada melhor do que me deliciar com alguma comida calórica e que mata só de olhar.
Esperançosa, parto para cozinha procurando um conforto, um remédio para a solidão, para o vazio em mim. Procuro calmamente qualquer coisa que possa me divertir por uns segundos e me culpar por muitas horas. Nada. Irrito-me. "Onde estão minhas coisas?", pensei. A raiva me invade por completo. Sem cigarros, sem ataques matutinos à geladeira. "Será que tudo estava perdido?"
Paro e escuto uma risada, ao longe, uma voz que sussurra ao meu ouvido. Sei que há sim uma solução melhor do que a fuga, melhor do que uma desculpa para uma subvida. Sinto meus pés formigarem e meu corpo sendo puxado, arrancado do tempo e do espaço. Abro os olhos e vejo meu quarto exatamente como era antes. Ainda é noite. Corro para a varanda e vejo as estrelas que brilham na imensidão. Não penso em mais nenhum paliativo para tristeza porque não estou mais taciturna como antes e sim espero o anjo voltar para que eu possa dormir novamente em seus braços.