domingo, 23 de janeiro de 2011

Na lápide

   "Minha alma é vazia", pensava Amélia enquanto observava a água que demorava de ferver. Sentimentos apagados não procuravam seu caminho de volta. O seu corpo agia, podia ouvir sua voz enquanto conversava com os outros. A razão para tal coisa não sabia. O tempo corria e escorregava em suas mão. Não conseguia se defender das armadilhas feitas pelo destino. Refletir sobre suas ações já não conseguia. era difícil até mesmo lembrar do que estava fazendo.
   Esperando a água ferver, lembrou-se. De fato, era mais fácil parar de pensar. todos estavam caminhando em sua direção. Esperando, esperando e cobrando. Mas, o que queriam? Pergunta difícil, sem resposta. Não era tão tranquilo viver. Distraída queimou sua mão enquanto tentava recordar para que a água servia. Por que? Por que a ferveu? A angústia tomava seu corpo indefeso e a mergulhou numa profunda tristeza. Derramou a água na pia e procurou mais um ofício, um trabalho para fazer esquecer o que realmente precisava fazer.
   Assim era Amélia. Sozinha buscava desesperadamente uma razão para não sentir o ar leve enquanto caia na imensidão do céu azul vendo as estrelas ficarem cada vez mais distantes e, ao mesmo tempo, mais próximas. A surpresa e o inesperado não faziam parte de sua rotina. Mas se fizessem não seriam também rotina e se tornariam monótonos? As respostas estão guardadas em algum lugar longe e sombrio. Esse lugar tão longínquo não está ao seu alcance. sua cabeça dói e estala ao tentar pensar. Talvez agir maquinalmente já tenha se tornado mais prático e sua mente tenha parado de funcionar.
     Precisava sair. Tinha um compromisso, uma reunião. Mas, e sua família? Que família? Possuía alguma?Franze o cenho e procura recordar. Sim, sua mãe estava muito longe, seu pai morto há muitos anos Não era casada ou possuía amores. Podia sair tranquilamente de casa e ninguém notaria, nenhum parente, nenhum empregado. Era só ela, ali na escuridão. Bateu a porta. Do que se tratava a reunião? Negócios a serem fechados, torturas num silencio nebuloso e a certeza de que a felicidade estava ao longe sorrindo e zombando daqueles que nunca serão felizes.
    Todos os dias as pessoas caminham, trabalham, dormem, morrem. Ao certo, ninguém tem a razão para tudo isso. Mas para que? É mais simples seguir sem perguntar e agir até que o último suspiro condene o nosso corpo frio e o de Amélia às trevas de um funeral. E a esperança é que seja digno... se necessário.


      

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